Como diminuir as mortes de ciclistas no trânsito? Especialistas, estudiosos e ciclistas se reuniram nesta quinta-feira (05/05) na audiência pública “Maio Amarelo: Pela Vida Dos Ciclistas”, realizada na Assembleia Legislativa do Paraná, para debater formas de sanar o problema. Enquanto o Brasil é o quarto país com maior número de acidentes de trânsito no mundo, as cidades continuam priorizando os automóveis. Já as políticas públicas para mitigar as mortes são insuficientes. É o que frisam os participantes da reunião.
Para o proponente do encontro, deputado Goura (PDT), a falta de números também contribue para acentuar o problema. “Para variar temos um apagão estatístico, sem dados atualizados ou no mínimo com incongruências. É má gestão e descaso com o princípio de planejamento e administração da coisa pública”, disse Goura. O deputado ressaltou que os dados estatísticos são informações importantes que ajudam na criação de políticas públicas para redução dos acidentes nas ruas e estradas de todo o País. “Ter um sistema de informações e dados estatísticos confiáveis deveria ser a primeira prioridade do poder público para tratar do problema das mortes e sequelas causadas pelo trânsito. Não é possível planejar políticas públicas de redução sem essas ferramentas”, alertou.
O parlamentar lembrou que a cada 15 minutos uma pessoa morre em um acidente de trânsito, considerando dados de mortalidade do Ministério da Saúde. A cada seis horas, em média, um ciclista é vítima do trânsito no Brasil. Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, entre 2001 e 2020 foram registrados 27.932 óbitos de ciclistas em acidentes de transporte por todo o Brasil. O Paraná é o segundo Estado com mais mortes segundo o SIM. Foram 3.035 mortes neste período.
Em 2018, a Organização Mundial da Saúde lançou um relatório sobre o tema mostrando que as maiores vítimas dos acidentes de trânsito são pedestres, ciclistas e motociclistas, considerados mais vulneráveis nas ruas, especialmente em países em desenvolvimento. Goura ressaltou que uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é de reduzir pela metade o número de mortes até 2030. Para o deputado, no entanto, isso é insuficiente. Por isso, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a resolução “Melhorando a segurança viária global”, proclamando a Década para a Segurança nas Estradas 2021-2030. A meta é evitar pelo menos 50% dos acidentes com mortes e ferimentos até 2030.
No Brasil, há desde 2018 o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans). O Pnatrans 2021 foi revisado e aprimorado, com a inclusão de princípios e ações que alinham o País à agenda global de segurança viária e reiteram o compromisso de reduzir em pelo menos 50% as mortes no trânsito brasileiro até 2028.
Experiências
Durante a audiência, especialistas e gestores públicos falaram de experiências para diminuir o número de mortes de ciclistas no trânsito. O secretário de Mobilidade Urbana de Maringá, José Gilberto Purpur, falou sobre a ampliação de ciclofaixas na cidade. “Maringá tem se destacado na implantação de ciclofaixas. Os resultados foram imediatos, com quedas acentuadas nos acidentes. Em 2021, não tivemos nenhum registro de morte. Por isso comprovamos que o sistema cicloviário dá muito resultados”, disse.
O diretor de Comunicação do município de Antonina, Jorge Alberto Sonda, disse que a cidade, que possui um grande número de trabalhadores ciclistas, vai ganhar a sua primeira ciclovia. “Antonina e a bicicleta são da mesma geração. Durante muito tempo, os dois não se encontraram. Havia um déficit para com os ciclistas e, de acordo com dados, Antonina tem 30% de trabalhadores que utilizam a bicicleta, além do cicloturismo. Durante muito tempo, o Poder Público não deu atenção a isso. Agora, estamos inaugurando a primeira ciclofaixa de Antonina, com dois mil metros. Queremos transforar a cidade em um ícone da bicicleta”, salientou.
Luiz Afonso Giglio, ciclista e coordenador Geral da Associação Mobilidade Ativa e Amigos do Circuito Pé Vermelho, em Londrina, abordou a necessidade de instrumentos para facilitar a mobilidade ativa. “Este é o meio de transporte mais frágil e sensível. No Brasil, temos a cultura do automóvel, como se o carro fosse o senhor da cidade, excluindo dessa forma a possibilidade da mobilidade ativa”, comentou. A fala foi complementada pela de Matheus Oliveira Martins da Silva, conselheiro de Mobilidade Urbana na Associação Mobilidade Ativa e Amigos do Circuito Pé Vermelho, que criticou a falta de espaços para os ciclistas em Londrina. “Não basta implantar ciclovias se não forem feitas de forma ordenadas e atrativas. Apenas 4% da malha viária de Londrina conta com ciclofaixas”.
Kelly Trindade Macieski, arquiteta e praticante do ciclismo, falou as dificuldades de pedalar nas estradas. Entre os problemas, ela elencou a falta segurança, de sinalização e a piora das condições das estradas. Kelly defendeu a criação de espaços para treinamento e o maior policiamento. “Sentimos que não somos bem-vindos às estradas, mesmo que tenha aumentado o número de ciclistas nestes locais. Qual a dificuldades de entender que também somos um meio de transporte? Há uma falta de consciência das pessoas”.
A professora Yael Ampessan, de Arapongas, é ciclista desde 2018, mas revelou que já percebeu os problemas dos colegas. “Comecei a ver as dificuldades que os ciclistas passam. A partir disso, promovemos uma campanha de conscientização no trânsito. Foi um evento muito importante para a cidade. Ainda assim, o investimento na ciclomobilidade é muito pequeno”, disse. O fotógrafo e cicloativista Doug Oliveira também falou das experiências acompanhando a vida dos ciclistas. “Motorista tem senso de prioridade que precisa mudar.”
Reflexões
Suzana Nogueira, arquiteta e urbanista, com especialização em Engenharia de Trânsito fez uma série de questionamentos sobre a falta de políticas integradas de trânsito. “Nossa cidades são para pessoas ou continuam a ser para carros? Elas não são vistas como cidades para pessoas. Temos de desenhá-las de outra forma. Por isso, os planejamentos são muito importantes. Não temos planos estruturais executivos, com metas e horizontes. Vemos uma série de ações, mas falta uma política integrada. Falta um plano intersetorial que agregue estas iniciativas. Quantas pessoas queriam pedalar e não conseguem porque nosso trânsito é muito violento?”, indagou.
Raul Osiecki, professor de Educação Física na UFPR e membro do Programa Ciclovida, falou sobre os benefícios do ciclismo na saúde e sobre a necessidade das pessoas poderem pedalar sem medo. “Queremos mostrar como a prática do ciclismo reduz a possibilidade de ter um problema cardíaco. Mas não adianta esticar a vida de uma pessoa e ela morrer atropelada. As pessoas têm medo de pedalar. Meu prazer pode me matar. Precisamos de ações efetivas”, enfatizou.
Robert Willem De Ruijter, cônsul honorário do Reino dos Países Baixos, abordou a realidade do ciclismo na Holanda. “Nosso objetivo é sempre zero mortes. A realidade na Holanda é bem diferente do Brasil. O número de mortes está diminuindo, mas o número de ciclistas continua alto. A situação está mudando o tempo inteiro. A esperança é que vá melhorar e não piorar”, disse.
Patrícia Valverde, coordenadora da Associação dos Ciclistas do Alto Iguaçu, reforçou a necessidade de se focar na defesa dos grupos mais vulneráveis. “As pessoas são distraídas, instáveis e tem stress. Esses elementos contam no trânsito. Podemos também incorrer na negligencia, imprudência e imperícia. Há ainda a velocidade, que é a maior causa de mortes no trânsito. Somado a tudo isso, há os grupos vulneráveis, como os ciclistas e pedestres. Por isso, precisamos focar em infraestrutura segura para esses grupos. As calçadas não são desenhadas para os pedestres, por exemplo. Tudo é endereçado para os carros”, reforçou.
Alexandre Lorenzetto, diretor da SACIS/Eco-Counter no Brasil, tratou do desenvolvimento de projetos de monitoramento e segurança de ciclistas e pedestres em ambientes naturais e urbanos. “É necessário melhorar a infraestrutura para ciclistas e pedestres para atingir os objetivos da Visão Zero. Para isso, devemos analisar os dados sobre os comportamentos, reforçar a importância de mais segurança, empregar tecnologia, como sensores indutivos de contagem de ciclistas para acionar placas, além da importância da comunicação de dados. O ciclista deve fazer parte da paisagem urbana”, lembrou.
Fernando César Manosso, geógrafo e colaborador do Programa Ciclovida da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apresentou dados de uma pesquisa sobre acidentes e sinistros com ciclistas. “A maioria dos acidentes em rodovias são em ambientes urbanos. Cerca de 35% da extensão das rodovias abrigam 83% dos sinistros com ciclistas. A maioria dos acidentes é de dia e em pista dupla, o que reforça a necessidade de espaços para travessias. Na Europa, as rodovias raramente atravessam perímetros urbanos. É inadmissível que as vias continuam como rodovias nas cidades. Essa engenharia é ultrapassada”, alertou.
Eduardo Simões, coordenador da Associação de Ciclistas do Noroeste do Paraná, de Maringá, reforçou a necessidade de estrutura cicloviária nas cidades. “Há limitações para pessoas não pedalarem. Uma delas é o medo. Se falarmos em segurança viária, precisamos de infraestrutura e políticas públicas de educação para deixar as pessoas mais seguras”, comentou.
Aristides Athayde, proprietário do Canal Aventura Bike Park, falou sobre sua experiência com bicicleta. “Estamos discutindo algo que já devia ter sido superado. Estamos tratando de incompetência e cegueira na gestão pública. Um dia, percebemos que a bicicleta poderia ser uma alternativa de renda. Hoje, temos 17 pessoas trabalhando com bicicleta neste espaço. Governos deveriam abraçar mais iniciativas como estas”, disse.
Daina Machado, da OAB-PR, reforçou a necessidade de buscar soluções para os principais problemas. “Precisamos pensar as cidades e torná-las lugares seguros para as pessoas. As cidades cresceram moldadas para o automóvel. A cidade tem de ser um lugar de encontro e não desencontro. Para isso, o ciclista deve ser incluído”.
Renata Falzoni, fotógrafa e cicloativista, criticou todo o sistema que envolve as mortes no trânsito. “Há uma coisa nessa problemática que é o foco na máquina. Há uma negação do problema, não se assume a responsabilidade. Costuma-se culpar as vítimas e não se promove inclusão. Quem tem o poder de mudar é malformado. Temos de focar na vida, resgatar a escala humana. Sem motor!”, disse.
Poder público
A arquiteta da Secretaria de Infraestrutura e Logística (SEIL), Débora Fonseca Guimarães, informou que a pasta produziu um manual com rotas alternativas para ciclistas. “Temos visto isso como uma forma de criar mais ciclofaixas, tornando-as definitivas”, salientou. Já a engenheira civil e coordenadora de Engenharia de Tráfego e Segurança Rodoviária da Diretoria de Operações do DER-PR, Patrícia Oliveira Pereira, contou as ações do órgão para conter acidentes com ciclistas nas rodovias paranaenses, como a escola de trânsito e um programa de segurança viária. “Ano passado, ocorreram 116 acidentes em rodovias nas partes urbanas, mas temos trabalhado para diminuir isso”.
A turismóloga da Diretoria de Desenvolvimento e Inovação da SEDEST, Valeria Pereira Fernandes, informou sobre os recursos da pasta destinados aos municípios para sinalização turística. “São recursos destinado através de emenda parlamentar, que as prefeituras podem usar em rotas de sinalização turística, trazendo mais segurança”, disse.
Coordenador da Escola Pública de Trânsito do DETRAN, Michael Bogo, ressaltou atividades desempenhadas pelo órgão para a redução de acidentes. “Realizamos ações em empresas de ônibus, mostrando para motoristas como é estar na pele dos ciclistas. Também temos o Detranzinho, que recebeu bicicletas. Ela será nossa protagonista. Temos ainda a elaboração de manuais de rotas e ciclofaixas. Além disso, desempenhamos atividades junto aos ciclistas nas rodovias, que devem ter seu comportamento alinhado ao espaço. Realizamos ainda uma série de ações junto aos motoristas de caminhão no Porto de Paranaguá para mostrar como é estar na pele dos ciclistas”, enumerou.
O coordenador do Programa Pedala Paraná do Paraná Esporte, Rogério Bufrem Riva, usou o espaço para apresentar o programa. “O objetivo do Pedala Paraná é instalar ciclorrotas nos municípios para realização de atividades físicas e o fomento da atividade economia. A demanda foi muito grande. Temos observado que cada vez mais as pessoas têm entendido as propostas. Mais que instalar, queremos fomentar para que as ciclorrotas sejam utilizadas”, comentou.
O gerente de Programas de Segurança Viária da Superintendência de Trânsito da Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito de Curitiba (SMDT), Gustavo D’almeida Garrett, deu informações sobre a estrutura cicloviária na capital do Estado. “Nosso trabalho é incansável em prol da segurança viária. Estamos em pleno o Maio Amarelo para trazer a reflexão no trânsito. Temos de pensar o que queremos e o que vamos fazer para que tenhamos mais segurança. Sabemos que são necessários investimentos em educação, engenharia e, sobretudo, na fiscalização do trânsito. Em Curitiba, temos políticas de promoção à ciclomobilidade desde a década de 1980. Temos potencializado cada vez mais estas ações. Hoje são 252 quilômetros de malha cicloviária na cidade. A nossa é atingir até 2025 cerca de 400 quilômetros”, informou.
Coordenadora de Projetos do Paranacidade/SEDU, Virgínia Thereza Nalini falou sobre o trabalho do órgão no planejamento de espaços para bicicletas nas cidades. “Nossa preocupação é sempre acompanhar a revisão de planos diretores e reforçar a importância de trabalhar a ciclomobilidade, mesmo em municípios pequenos. Por isso, disponibilizamos recursos para construção de ciclovias nos municípios”, informou. A audiência também contou com a participação da analista de Desenvolvimento Municipal do Paranacidade/SEDU, Maria Inês Terbeck.
Tragédias
A fatalidade no trânsito atinge a vida de muitas pessoas. É o caso de Maria de Fátima Oliveira, mãe do adolescente Kristofer Enzo, de 16 anos, ciclista que faleceu em um atropelamento em fevereiro deste ano. Ela falou sobre o sofrimento de perder o filho, criticou a falta de mobilidade na cidade e o descaso do Poder Público. “Parece que os órgãos públicos não têm a realidade dos dados. Se tivessem, mudariam isso. O Paraná é o segundo estado que mais mata. É obrigação do Governo do Estado, da prefeitura, fazer o que é certo. O assassinato do meu filho poderia ser evitado, pois temos vários pedidos de ciclovia em meu bairro, mas nada foi feito. Estou muito revoltada com isso. A impunidade é geral. O que adianta gastar dinheiro com radar se não há sinalização? Radar não educa. O que gera tudo isso, além do descaso, é a impunidade. Eu não gostava de deixar meu filho andar de bicicleta. Eu tinha medo. Uma simples ciclovia, uma simples placa, poderia ter salvado meu filho”, desabafou.
O ciclista e professor de Engenharia Civil, Leonardo Miranda, sofreu um acidente na BR-116 há quatro anos que deixou sequelas. “Meu acidente foi uma fatalidade que aconteceu por falta de infraestrutura. Por isso é muito importante a discussão do assunto. Uma alternativa interessante para viabilizar a infraestrutura em estradas poderia ser a criação de pistas ou ciclovias”, opinou.